No trecho seguinte, aplaude "manifestações pacíficas" mas condena a arruaça com o pior xingamento para um bolsonarista: esquerdista. Foi o trecho mais claro do pronunciamento, em que claramente condenou qualquer tipo de ação que prejudique a população. Não há como discordar e este, de uma perspectiva moral, foi o ponto alto da sua fala.
Logo depois, diz que o que entende por direita "surgiu de verdade em nosso país", justificando com a grande votação obtida por seus candidatos. Verdade inapelável, mas ele não diz a verdade quando define direita com o slogan integralista "Deus, Pátria e Família". A direita não é isso, muito menos o conjunto de seus eleitores antipetistas, e a tentativa de se apropriar de metade do país não deve prosperar.
O espólio político do atual governo já está sendo ferozmente disputado, o que tem tudo para se acirrar nos próximos meses. Bolsonaro tem toda condição de liderar uma franja radical do eleitorado, mas esse segmento não a de 10 a 15% da população, se tanto. Os outros eleitores antipetistas não se encaixam no perfil "PSTU de sinal trocado". Esse eleitorado, que o natimorto PTB de Roberto Jefferson flertou, é o que não deu vacinas para os filhos, acredita que a Rússia é conservadora e que seu líder foi vítima do "algoritmo do TSE".
"Mesmo enfrentando todo o sistema, superamos uma pandemia e as consequências de uma guerra", repetiu um Bolsonaro que sabe que será eternamente cobrado pelas suas escolhas na maior crise sanitária da história do país. Mesmo num discurso curto como o de ontem, ele nunca deixaria de, mais uma vez, tentar se justificar. Há quem acredite que um político do centrão, que governou com o centrão, que entregou o orçamento da União para o grupo mais fisiológico da política brasileira, era "contra o sistema".
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Por último, diz que continuará respeitando as leis "como presidente" e "como cidadão", o que não é mais que sua obrigação mas, nos tempos atuais, não deixa de ser um alívio. Ao final, bate novamente na tecla de que seu governo, insuficientemente investigado para dizer o mínimo, é "honesto". O fim dos sigilos centenários, que deverá ser promulgado no início do ano que vem, pode representar o desafio final desta narrativa.
Enquanto escrevo este artigo, em pleno feriado de Finados, o país está fervilhando em protestos, alguns pacíficos, ecoando o niilismo político de junho de 2013, e outros com "métodos de esquerda", nas palavras do próprio Bolsonaro. As estradas começam a ser desbloqueadas e temos motivos para acreditar que, em breve, voltaremos à normalidade.
Há uma direita que veio para ficar. Existe um sentimento antipetista, sempre subestimado, que está mais vivo do que nunca. Mesmo o bolsonarismo mais radical tem representatividade e foi autorizado nas urnas. Encostado num cargo oferecido pelo PL e pouco afeito ao trabalho duro, é possível que o futuro ex-presidente vá perdendo seu poder de atração, mas as ideias que ajudou a legitimar estão apenas começando a mostrar os dentes. E é delas que devemos nos ocupar a partir de agora.